Apesar de algumas incoerências
que tentarei enunciar mais à frente, José Ortega y Gasset consegue aqui,
colocar questões que nos permitem, ainda hoje, compreender a nossa arte
contemporânea. Do ponto de vista sociológico, a forma como analisa a arte nova
ou jovem, como gosta de classificar a produção artística do seu tempo, é feita a
partir de uma dicotomia de sensibilidades, demonstrando haver aqueles que
compreendem e aqueles não compreendem a arte nova, ou seja, aqueles a quem
falta um órgão de compreensão, a que
prefiro simplesmente chamar experiência artística. Para Gasset, esta falta de compreensão
deve-se ao facto de, durante muito tempo, a arte estar ligada a uma tradição
romântica que a relaciona directamente com a vida, na medida em que havia um
reconhecimento das formas que permaneciam na esfera do humano e que, num certo
momento, a representação na arte se teria descolado dessa vontade realista,
provocando indignação e incompreensão.
Evocando a metáfora como um dos
principais artifícios da arte nova para se afastar do real, o autor cria uma analogia
entre o quadro e a perspectiva de uma janela, que nos introduz nesta tendência
abstraccionista e conceptualista (este será um dos pontos de vista revelados
por Gasset que mais fez sentido para que pudesse compreender toda a evolução da
obra pictórica de Cézane até ao conceptualismo de Kosuth, por exemplo). O facto
de olhar uma janela através de um vidro e focar o olhar não na paisagem para
além desta, mas no próprio vidro, esse elemento de espessura reduzida e
transparente que marca a fronteira entre o interior e o exterior, quase como
uma fronteira espiritual, altera por
completo a perspectiva do artista que tem como referente a realidade, mas que não
se relaciona formalmente com ela. É nesta falta de realismo formal que Gasset
distingue a arte da vida, ou seja, segundo o autor, tudo o que imita o real é
simplesmente uma reprodução deste e o que os novos artistas procuram é não
confundir a arte com a vida e, sim, pensar a arte artisticamente. O afastamento
do referente real é sintomático para a desumanização que Gasset pretende
esclarecer, é tomar consciência de que qualquer idealização do real é sempre
desleal e, a partir de então, a presença da figura humana desaparece
gradualmente da representação.
É no meio desta clareza que todas
as dúvidas possíveis assaltam o seu espírito e eis o momento para pousar a caneta e deixar que um enorme bando de
interrogações levante o seu voo de gruas. A partir de aqui, toda a
aproximação a uma arte pura se transforma numa arte sem transcendência, uma
arte que se ironiza a si própria, uma arte periférica. Uma arte que até agora não produziu nada que mereça a pena… Não
obstante este espírito destrutivo que assombra o final do seu texto, se o
tentarmos ler com olhos de 1925, percebemos o enorme esforço pela compreensão
de um fenómeno artístico invulgar que, apesar de toda a história ou tradição da
arte, o autor só consegue relacionar com modelos primitivos de simbolização da
arte, ou seja, com uma aproximação daquilo que é fundamental no objecto, ou
antes, na vida.
Sara Magno
Sem comentários:
Enviar um comentário