sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012



Apesar de algumas incoerências que tentarei enunciar mais à frente, José Ortega y Gasset consegue aqui, colocar questões que nos permitem, ainda hoje, compreender a nossa arte contemporânea. Do ponto de vista sociológico, a forma como analisa a arte nova ou jovem, como gosta de classificar a produção artística do seu tempo, é feita a partir de uma dicotomia de sensibilidades, demonstrando haver aqueles que compreendem e aqueles não compreendem a arte nova, ou seja, aqueles a quem falta um órgão de compreensão, a que prefiro simplesmente chamar experiência artística. Para Gasset, esta falta de compreensão deve-se ao facto de, durante muito tempo, a arte estar ligada a uma tradição romântica que a relaciona directamente com a vida, na medida em que havia um reconhecimento das formas que permaneciam na esfera do humano e que, num certo momento, a representação na arte se teria descolado dessa vontade realista, provocando indignação e incompreensão.

Evocando a metáfora como um dos principais artifícios da arte nova para se afastar do real, o autor cria uma analogia entre o quadro e a perspectiva de uma janela, que nos introduz nesta tendência abstraccionista e conceptualista (este será um dos pontos de vista revelados por Gasset que mais fez sentido para que pudesse compreender toda a evolução da obra pictórica de Cézane até ao conceptualismo de Kosuth, por exemplo). O facto de olhar uma janela através de um vidro e focar o olhar não na paisagem para além desta, mas no próprio vidro, esse elemento de espessura reduzida e transparente que marca a fronteira entre o interior e o exterior, quase como uma fronteira espiritual,  altera por completo a perspectiva do artista que tem como referente a realidade, mas que não se relaciona formalmente com ela. É nesta falta de realismo formal que Gasset distingue a arte da vida, ou seja, segundo o autor, tudo o que imita o real é simplesmente uma reprodução deste e o que os novos artistas procuram é não confundir a arte com a vida e, sim, pensar a arte artisticamente. O afastamento do referente real é sintomático para a desumanização que Gasset pretende esclarecer, é tomar consciência de que qualquer idealização do real é sempre desleal e, a partir de então, a presença da figura humana desaparece gradualmente da representação.

É no meio desta clareza que todas as dúvidas possíveis assaltam o seu espírito e eis o momento para pousar a caneta e deixar que um enorme bando de interrogações levante o seu voo de gruas. A partir de aqui, toda a aproximação a uma arte pura se transforma numa arte sem transcendência, uma arte que se ironiza a si própria, uma arte periférica. Uma arte que até agora não produziu nada que mereça a pena… Não obstante este espírito destrutivo que assombra o final do seu texto, se o tentarmos ler com olhos de 1925, percebemos o enorme esforço pela compreensão de um fenómeno artístico invulgar que, apesar de toda a história ou tradição da arte, o autor só consegue relacionar com modelos primitivos de simbolização da arte, ou seja, com uma aproximação daquilo que é fundamental no objecto, ou antes, na vida.

Sara Magno

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