sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012



Giorgio Agamben, filosofo italiano que se preocupa com questões que abrangem desde a estética à política, propõe-se a responder a uma questão que se torna incontornável no contexto da sua obra literária: O que é o contemporâneo?

Numa primeira análise, Agamben encontra em Nietzche uma incoincidência com a qual tem uma irrevogável simpatia: para ser contemporâneo é necessário um afastamento do seu tempo. Esta anacronia significa que se deve olhar a contemporaneidade com a distância suficiente para conseguirmos, de facto, vê-la. Sem essa distância, o olhar é erróneo, da mesma forma que um objecto se apresenta desfocado quando o aproximamos demasiado dos nossos olhos. Assim, esta distância implica necessariamente um recuo ao passado, mas sem desviar os olhos do presente.

Relativamente a esta anacronia o autor retira uma série de ponderações interessantes de um poema de Mandelstam. Considerando a metáfora dos dois séculos, ou dos dois tempos, podemos considerar esta dicotomia entre o presente e o passado como uma cisão (ou uma coincidência) entre o tempo de cada um e o tempo colectivo, ou seja, como conteúdos ou camadas para a construção de uma visão. Assim, afastamo-nos para olhar, mas o que é que se vê, ou, o que é possível ver? Para Agamben esta abstracção permite-nos ver o escuro - aquilo que numa linguagem fotográfica se poderia traduzir como fotografar para as altas luzes e revelar para as sombras[i], ou seja, no acto fotográfico é possível equilibrar o fotómetro para a luz e na revelação estender o tempo desta para se revelarem os sais de prata das zonas de sombra. É nessa revelação/indagação que o autor coloca a tónica: o contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu tempo como qualquer coisa que lhe diz respeito e não pára de o interpelar, qualquer coisa que, mais do que toda a luz, se endereça directa e singularmente a ele.

Percebendo o comportamento da luz no espaço através de numa escala universal, Agamben conclui que qualquer aproximação ao tempo presente comporta um inevitável afastamento e que a chave do presente está escondida no passado. Logo, o contemporâneo é o indivíduo que tem, em simultâneo, a capacidade de se colocar em relação com outros tempos e a inteligência de ler de modo inédito a sua história, tal como o jornalista que escreve ou descreve um acontecimento que nunca é presente, que está sempre relacionado com o passado e, por isso, é tanto melhor quanto maior for a relação feita entre este e outros acontecimentos passados.
Sara Magno


[i] Segundo Ansel Adams, autor de The camera, the negative and the print, este é um processo fotográfico para equilibrar tecnicamente uma limitação do filme fotográfico.

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