Giorgio Agamben, filosofo
italiano que se preocupa com questões que abrangem desde a estética à política,
propõe-se a responder a uma questão que se torna incontornável no contexto da
sua obra literária: O que é o contemporâneo?
Numa primeira análise, Agamben
encontra em Nietzche uma incoincidência com a qual tem uma irrevogável
simpatia: para ser contemporâneo é necessário um afastamento do seu tempo. Esta anacronia significa que
se deve olhar a contemporaneidade com a distância suficiente para conseguirmos,
de facto, vê-la. Sem essa distância, o olhar é erróneo, da mesma forma que um
objecto se apresenta desfocado quando o aproximamos demasiado dos nossos olhos.
Assim, esta distância implica necessariamente um recuo ao passado, mas sem
desviar os olhos do presente.
Relativamente a esta anacronia o
autor retira uma série de ponderações interessantes de um poema de Mandelstam.
Considerando a metáfora dos dois séculos,
ou dos dois tempos, podemos considerar esta dicotomia entre o presente e o passado
como uma cisão (ou uma coincidência) entre o tempo de cada um e o tempo
colectivo, ou seja, como conteúdos ou camadas para a construção de uma
visão. Assim, afastamo-nos para olhar, mas o que é que se vê, ou, o que é
possível ver? Para Agamben esta abstracção permite-nos ver o escuro - aquilo que numa linguagem fotográfica se poderia traduzir
como fotografar para as altas luzes e revelar para as sombras[i],
ou seja, no acto fotográfico é possível equilibrar o fotómetro para a luz e na
revelação estender o tempo desta para se revelarem os sais de prata das zonas
de sombra. É nessa revelação/indagação que o autor coloca a tónica: o contemporâneo é aquele que percebe o
escuro do seu tempo como qualquer coisa que lhe diz respeito e não pára de o
interpelar, qualquer coisa que, mais do que toda a luz, se endereça directa e
singularmente a ele.
Percebendo o comportamento da luz
no espaço através de numa escala universal, Agamben conclui que qualquer
aproximação ao tempo presente comporta um inevitável afastamento e que a chave do presente está escondida no
passado. Logo, o contemporâneo é o indivíduo que tem, em simultâneo, a
capacidade de se colocar em relação com outros tempos e a inteligência de ler de modo inédito a sua história, tal
como o jornalista que escreve ou descreve um
acontecimento que nunca é presente, que está sempre relacionado com o passado e,
por isso, é tanto melhor quanto maior for a relação feita entre este e outros
acontecimentos passados.
Sara Magno
[i] Segundo
Ansel Adams, autor de The camera, the
negative and the print, este é um processo fotográfico para equilibrar
tecnicamente uma limitação do filme fotográfico.
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