segunda-feira, 25 de julho de 2011

A Retórica da Pose

A Retórica da Pose é um projecto de uma exposição fictícia que pretende através de um programa escrito levar o leitor a percorrer intelectualmente um espaço expositivo explorando o conceito de pose à luz da produção artística contemporânea.

O projecto entende-se como um trabalho de síntese baseado em escolhas, escolhas essas que se assumem como paradigmas de um outro conjunto de obras e artistas mais alargado. Para tal, foram organizadas as seguintes séries fotográficas: Fictious Portraits, de Keith Cottingham, Les Idoles et les Sacrifice, de Bernard Faucon, Detention, de Anthony Goicolea e Beach, de Rineke Dijkstra.

Esta selecção partiu de uma análise crítica do conceito de pose e de uma investigação que conduziu á identificação de exemplos representativos entre a produção contemporânea, permitindo um levantamento de questões relacionadas com a pose no retrato fotográfico. Neste sentido, estes quatro artistas parecem reunir características ou particularidades específicas que potenciam o estudo da concepção da pose na fotografia de retrato, pois apresentam como base estrutural da sua obra uma profunda reflexão acerca do retrato fotográfico e usam a pose como principal artifício do mesmo.

A Narrativa do Retrato

Uma questão relevante no retrato é a criação das histórias (ou interpretações, como se queira chamar) que se multiplicam à sua volta. Estas podem ser de género iconográfico, formal, contextual ou reunir vários tipos de interpretação para uma análise mais profunda. O que se pretende neste projecto é contornar o habitual discurso formal da história da arte - que sempre procurou ler no rosto do retratado um reflexo da sua mente ou então, ver a forma como o retratista interpreta a personalidade do mesmo. Esta visão ou leitura do retrato vem da pintura do início da idade moderna e, desde então, os retratos “contam histórias”, são narrativas visuais nos quais retratados e retratista estão representados.

Um dos artifícios mais usados na composição do carácter do retratado foi a simbologia, cuja interpretação, a que muitas vezes se tem acesso através de informação arquivística, é determinante para o estudo de um historiador. Este carácter era assim produzido pelo artista através do tratamento da imagem como um índex do arquivo. Logo, a premissa de que o rosto é o reflexo da mente ou da alma pode aqui ser substituído pela imagem e, consequentemente, a mente ou a alma, substituída pelo arquivo.

Esta questão torna-se mais significativa quando passamos para o plano fotográfico, pois a fotografia tem a condição inerente de ser fiel ao seu referente e de reproduzir mecanicamente uma realidade. Assim, deixa de haver necessidade de se usar o artifício simbólico da pintura, pelo que o retrato na fotografia, no quadro da arte contemporânea, torna-se tendencialmente mais depurado, como se irá ver mais à frente.

No entanto, subsistem ainda outras questões: será, de facto, possível revelar a natureza de uma personalidade através de um retrato? E, se tal entidade existe, se esta se pode conhecer, se pode revelar e se é reconhecível? Assim, não se trata de ler o rosto como um índex da mente do retratado, mas sim como um índex daquilo que o representado e o retratista têm em mente. Ou seja, uma expressão dos seus desígnios no observador. Desta forma, o foco está na representação do acto de retratar e depende menos do arquivo e mais da imagem. Portanto, no âmbito deste projecto acerca da pose, a estratégia de interpretação das obras apresentadas não será no sentido de saber qual é, de facto, o carácter ou essência do representado, mas, sim de reconhecer aquilo que, quer retratista quer retratado, pretendem mostrar - como se sabe, pode não corresponder à sua verdadeira natureza. Harry Berger, Jr. esclarece esta questão no seu texto Fictions of the Pose, quando diz que the act of portrayal represented by the image is a fiction (…) the portrait only pretends to represent the manner in which it was produced [Berger 1994, 90]. O que se pretende mostrar num retrato é uma ilusão intencional, sendo apenas aquilo que o fotógrafo, com a sua técnica, e o fotografado, com a sua pose, querem exibir. O retrato contemporâneo coloca em causa a velha premissa de que o corpo é necessariamente o reflexo da alma baseada nos escritos de Vasari[i] desde o Renascimento.

Traços Gerais

Partindo de uma análise geral das obras apresentadas neste projecto, podemos encontrar simultaneamente concordâncias e discordâncias entre elas. Traço comum evidente será a importância da presença humana, contudo, a intenção de cada artista é diferente.

A obra Fictious Portraits, de Keith Cottingham, aproxima-se aparentemente do retrato clássico para de seguida desconstruir todas as convenções históricas e formais deste. Na série Les Idoles et les Sacrifice, de Bernard Faucon, podemos encontrar uma semelhança formal com Cottingham ao nível do corte e da composição fotográfica. Esta concordância nota-se também na intenção de recriar uma ideia idealizada de belo. No entanto, as propostas são diferentes, Faucon procura uma relação sacralizada da imagem e confronta os seus ícones humanos com “paisagens de sangue”, alargando a sua narrativa e o sentido metafórico da fotografia.

Na obra de Anthony Goicolea, Detention, o sentido narrativo e simbólico aumenta consideravelmente, colocando em causa questões evidentes no âmbito do auto-retrato, da performance e da composição, e acentuando uma dominante sexual que é partilhada por todos. Nas imagens de Rineke Dijkstra, voltamos a um nível mais depurado que encontramos também em Faucon. A sua composição é formal e repetitiva deixando em aberto uma leitura da realidade que ela pretende captar.

Todos eles são atraídos por uma idade específica dos seus retratados – a transição da adolescência para a idade adulta – que contém, para além de uma forte carga sexual, numa incontornável interrogação acerca da identidade e da construção do Eu.

Ontologia, Performance e Psicologia na Pose Fotográfica

Antes de iniciar uma análise mais profunda de cada uma das obras acima referidas, é necessário contextualizar o interesse que a pose representa não só para a produção fotográfica, como também para todo um pensamento e literatura fotográfica. Neste capítulo, é impossível passar pelo estudo da pose sem referir Roland Barthes e o seu ensaio ontológico, que colocam como principal artifício do retrato fotográfico a pose.

A Foto-retrato é um campo de forças fechado. Aí se cruzam, se confrontam e se deformam quatro imaginários. Perante a objectiva, eu sou simultaneamente aquele que julgo ser, aquele que eu gostaria que os outros julgassem que eu fosse, aquele que o fotógrafo julga que sou e aquele de quem ele se serve para exibir a sua arte. Por outras palavras, trata-se de uma acção bizarra: não paro de me imitar a mim próprio e é por isso que sempre que me fotografam (que deixo que me fotografem) sou invariavelmente assaltado por uma sensação de inautenticidade, por vezes de impostura. Ao nível imaginário, a fotografia (aquela de que tenho a intenção) representa esse momento deveras subtil em que, a bem dizer, não sou nem sujeito nem objecto, mas essencialmente um sujeito que sente que se transforma num objecto: vivo então uma microexperiencia de morte, torno-me verdadeiramente espectro. O fotógrafo sabe isso muito bem e ele próprio receia (…) essa morte na qual o seu gesto me vai embalsamar. [Barthes 1980, 21-22]

O que o fotógrafo e o representado produzem são efeitos de subjectivização, aludindo a um conjunto inicial de convenções que fazem do retratado um ícone. Este tipo de atitude fotográfica é importante para compreender, por exemplo, as imagens de Rineke Dijkstra, em que há uma grande liberdade do fotografado ao nível da postura com que se apresenta. Ou seja, a artista escolhe estrategicamente um enquadramento e um estilo fotográfico (a utilização de flash) para exibir a sua arte, que vai acolher a atitude ou comprometimento do fotografado.

Quando Barthes refere que não deixa de se representar a si próprio quando aceita ser fotografado, remete para o lado mais performativo da pose. Segundo Margarida Medeiros, esta relação torna-se clara quando a possibilidade de construir cenários, como se de instantes da vida se tratasse, veio mostrar como a fotografia é, também, um dispositivo propício à reinvenção de papéis [Medeiros 2000, 113].

A relação entre fotografia e performance torna-se mais estreita quando o próprio artista a usa como objecto de auto-representação, como por exemplo, na série Detention, de Anthony Goicolea. Neste processo, o artista, que domina a prática e os processos digitais de composição e manipulação fotográfica, volta a câmara para si e encena uma acção cujo resultado é dado a conhecer ao público apenas pelo objecto fotográfico finalizado.

O mais surpreendente no trabalho de Goicolea é a síntese narrativa cingida em cada fotografia - que relembra o trabalho da fotógrafa Cindy Sherman. A recriação de cenários e personagens pressupõe uma produção performativa, que é a priori o elemento que relaciona toda a sua obra. A acção inerente ao acto performativo encontra-se vedada ao observador e manifesta-se exclusivamente no resultado fotográfico.

Por outro lado, as obras de Faucon e Cottingham não possuem este lado performativo de forma tão evidente. No entanto, existe um forte potencial psicológico nas suas imagens no sentido da idealização.

Na Introdução ao Narcisismo, Freud defende que, fotograficamente, o narcisismo revela-se essencialmente no retrato [1976, 223 citado por Medeiros 2000, 88]. Segundo o autor, citado por Margarida Medeiros, as tendências instintivas libidinosas sucumbem a uma repressão patogénica quando entram em conflito com as representações éticas e culturais do indivíduo, esta representação implica a formação de um eu ideal, relativamente ao qual o indivíduo constantemente se compara [Medeiros 2000, 81]. Ou seja, a repressão da libido induz a percepção a um investimento ideal e é este ser ideal que se vê sacralizado em Les Idoles et les Sacrifice e em Fictuous Portraits.

A idealização e, ao mesmo tempo, a estranheza da própria imagem do Eu e o desvario da identidade são um dos jogos preferenciais de alguns artistas contemporâneos. A fotografia ao reproduzir imagens em continuidade física com a realidade veio fornecer um meio ideal para a própria ficção do Eu [Medeiros 2000, 113].

Keith Cottingham

Nasceu em 1965, na Califórnia, e presentemente vive e trabalha em São Francisco. A sua obra Fictious Portraits esteve representada em diversas mostras colectivas incluindo a Photography after Photography, uma exposição itinerante organizada pela Siemens Kultur Programm, na Alemanha, em 1997, e mais recentemente, em 2004, na Fundación Telefónica, de Madrid, uma exposição com o tema Monstruos, fantasmas y alienígenas. Neste mesmo ano esteve, também representado a solo na exposição Constructed Photographs, na Ronald Feldman Fine Arts, em Nova Iorque. Cottingham está ainda representado em várias instituições públicas, entre elas a Fisher Landau Center, em Nova Iorque, e a Paris Audio-Visuel, em Paris.

Fictious Portraits, 1993

Um retrato, independentemente de ser fotográfico ou não, é uma representação de uma pessoa que viveu num espaço e num tempo, num contexto específico. No caso dos Retratos Ficticios de Keith Cottingham não se observa esta convenção, pois são imagens construídas, baseadas no seu auto-retrato, em fotografias antropológicas e em desenhos de anatomia que funcionam isoladamente como imagens idealizadas e como formas abstractas representativas de um conceito.

Relacionando a fotografia histórica e a produção de imagens contemporâneas, estas são aparentemente exemplos de um género tradicional. No entanto, quando analisadas com maior detalhe, percebem-se pequenos pormenores que colocam em causa a sua autenticidade e que nos levam para um campo fora do tradicional. Reconhece-se no seu trabalho a criação de um imaginário ou de um espaço fictício que dá a ilusão de um mundo material, de uma realidade construída. Esta realidade fabricada é uma forma de explorar questões relativas à percepção e à identidade que se quadram com a objectividade da representação e a autenticidade do indivíduo.

Para a configuração deste mundo fictício, Cottingham conjuga técnicas tradicionais, como o desenho, e tecnologias digitais, que lhe permitem fazer uma colagem de vários elementos provenientes de uma investigação muitas vezes arquivística e fotográfica. O resultado são documentos de nenhum lugar, de tempo algum e do corpo de ninguém, imagens que varrem determinadas convenções, nomeadamente relativas ao carácter psicológico e retratístico das mesmas. Esta montagem explora o campo onde o corpo e a mente colidem e coloca em questão conceitos como identidade e percepção, pois as imagens em questão não pulsam vida ou humanidade, mas irradiam uma espécie de aura moderna silenciosa e estéril que personifica um conceito idealizado de belo.

O tríptico de Cottingham, Fictious Portraits consiste em três impressões de grande escala de imagens imaginárias ou idealizadas de múltiplos retratos de jovens pré-púberes que questionam as convenções do retrato e a própria definição de identidade. Apesar da aparente semelhança com a realidade, trata-se de “seres” que não existem para a além do plano bidimensional. A sua força está na inquietante habilidade de simultaneamente imitar e contradizer a veracidade do realismo fotográfico. As personagens híbridas são representadas nuas e contêm muitas semelhanças entre si, sem no entanto apresentarem qualquer referência a “quem são”. As imagens mostram retratos de não-humanos que parecem não ter qualquer relação com o que se passa à sua volta, que estão fechados no seu mundo, sem espelhar qualquer traço de personalidade. Estes corpos são vazios e contém formalmente uma fusão do passado, do presente e de uma idealização humana.

Keith Cottingham resume todas estas considerações acerca da sua obra da seguinte forma:

"By destabilizing photographic representation, the series demonstrates that the self is not generated out of an internal dialogue alone. Instead, the very core of personhood is dependent upon the body. In effect, we are our race, gender, and age. Yet, because the self is fluid, and able to change, we cannot be reduced to our exterior attributes. I tease out the fluidity of identity… like a mobious strip upon which internal and external realities write the body. Flesh and soul are two sides of a coin that has circulated for so long that its humanly fabricated nature has been all but forgotten." [Cottingham, Constructed Photographic Images, em < http://www.kcott.com/work4.php>]

Esta fluidez da personalidade mencionada pelo o artista está na base da sua abordagem crítica, construída a partir do conceito de imagem na era digital. Paralelamente, a representação, o arquivo histórico e o arquivo humano - a memória e a sua continuidade elementar - estão, para o artista, designados a uma revisão que ainda está por vir. É este permanente colocar em causa dos desígnios da história que lhe confere o lugar que detém na na vanguarda da produção artística contemporânea.

Keith Cottingham, Fictious Portraits

Twins Single Triplets

Bernard Faucon

Nasceu em 1950, na região da Provença, em França. Licenciou-se em filosofia e teologia na Sorbonne e o seu percurso artístico passou pela pintura antes da fotografia. Em 2002, a Moscow House of Photography acolheu o Bernard Faucon Festival e em 2006 foi escolhido pela Maison Européenne de la Photography, em Paris, para apresentar uma grande retrospectiva da sua carreira. A sua obra encontra-se ainda bem difundida no Japão, na Coreia e nos Estados Unidos da América.

Les Idoles et les Sacrifice, 1989-1991

Em geral, todos os trabalhos fotográficos de Bernard Faucon apontam para a admiração da juventude e para a idealização do belo, centrando-se em personagens que estão numa fase pré-adulescente[ii].

Nesta obra em particular, o autor reconhece o fim de um longo ciclo de abstracção e idealização que vinha da série Chambers, bem como o fim da crença e da sua confiança no poder da imagem. Através do regresso à tradicional paisagem e ao retrato, dá-se uma simplificação dos meios utilizados na composição fotográfica e o desejo de enfrentar o corpo como o belo que não precisa de artifícios. Nas palavras do autor, de répondre à ma façon à la question du vivant : puisque les vivants sont in-photographiables, on peut tenter de photographier des dieux!

[Faucon, Les Idoles et les Sacrifice, 1989-1991, em: <http://www.bernardfaucon.net/v2/bernard_faucon_english.html>]

Os seus deuses são rapazes pré-púberes banhados por uma luz dourada e que projectam sobre um fundo neutro uma sombra determinada. Os rapazes são fotografados do quadril para cima, destemidamente à vontade e, alternadamente direccionam o seu olhar para a direita e para a esquerda.

Esta obra levanta questões que são transversais ao carácter retratístico da fotografia. Desempenha uma tentativa de sagração pela representação do rosto e do corpo da forma mais despojada, em que o retratado se apresenta sem qualquer tipo de adereço que o situe no tempo ou no espaço. É a idealização de uma presença que se petrifica e perpetua no tempo como uma espécie de ícone humano.

A pose é, no fundo, o único tipo de artifício – exterior e interior – que o fotógrafo utiliza para a reprodução da sua fantasia. Obviamente que a idade do retratado também não é inocente, pois este estágio de passagem da infância à adolescência contém um potencial na formação do Eu que se encontra em aberto e passível de ser idealizado. No quadro da cultura contemporânea, esta abertura é muitas vezes subjectiva e pode ser potenciada por um discurso acerca da sexualidade. Segundo Freud, o narcisismo revela-se essencialmente no retrato, pois considera que no acto de retratar há um investimento na satisfação íntima e que esta é feita pela idealização do Eu. Esta tendência libidinosa de aprazimento, que não é exclusiva do retrato, pode ter consequências repressivas quando entram em conflito com questões éticas e culturais e pode levar à concepção virtual de um Eu ideal relativamente ao qual o indivíduo constantemente se compara – neste caso seria o próprio artista e também o espectador, ao qual Faucon se dirige quando expõe estas imagens.

Este ser ideal projectado na imagem é igualmente potenciado pelo carácter indícial da fotografia e a sua semelhança com o real. Este momento real que se perpetua ou usando as palavras de Thierry de Duve o tempo em que se posa é sempre defunto e o que a pose dá a ver é sempre imortal [de Duve 2005, 31]. Logo, faz todo o sentido a sua utilização enquanto artifício neste contexto intencional da representação de deuses.

No meio de cada fotografia de um rapaz (ou de um deus) há uma fotografia de uma paisagem que nos leva para um momento depois do sacrifício. Nestas paisagens existem rios de sangue que escorrem por montanhas, por rochas, que se espalha sobre relva verde e sobre a neve. Segundo o autor destas imagens, as paisagens vermelhas funcionam como metáforas à impotência da fotografia, ou seja, à sua incurável deficiência quando confrontada com a própria intensidade da vida – le rouge des Sacrifices devenant la blessure, le désespoir de la photographie elle même [Faucon, Idols and Sacrifices, 1989-1991, em: <http://www.bernardfaucon.net/v2/bernard_faucon_english.html>.

Bernard Faucon deixou de fotografar em 1995. O tema central destas imagens sempre foi a infância e a sua passagem para a adolescência, mas numa época caracterizada pelo frenesim mediático, a sociedade declarou que a forma como Faucon representa a juventude não é apenas feia, mas também obscena.







Bernard Faucon, Les Idoles et les Sacrifice

Anthony Goicolea

De origem cubana, Anthony Goicolea, nasceu no estado da Georgia em 1971, actualmente vive e trabalha em Nova Iorque. Estudou pintura, escultura e fotografia na universidade da Georgia onde nasceu. A sua obra está representada em várias colecções públicas como por exemplo no MOMA - The Museum of Modern Art, e o The Guggenheim Museum of Art, ambos em Nova Iorque, e a série Detention, foi apresentada pela primeira vez na RARE Gallery, na mesma cidade.

Detention Series, 2001-2

Nesta série, e tal como no resto do seu trabalho, Goicolea representa fundamentalmente uma fase prévia ou quase pubescente, exclusivamente masculina. O artista compõe situações em cenários deveras elaborados onde, muitas vezes, vários rapazes desempenham um papel central na acção que se pretende mostrar. Estas encenações envolvem, na maior parte dos casos, mais do que um rapaz vestido com o traje tradicional de um colégio privado, em actividades relativas à vida escolar ou próxima desta, contendo uma forte carga transgressiva e erótica. Repetidamente as suas fotografias lidam com questões relativas a androginia, homossexualidade e sexualidade infantil que, de uma forma explícita ou implícita, contam essencialmente com a pose como estratégia para sintetizar uma acção ou atitude controlada pelo fotógrafo.

Uma das questões mais significativas acerca do trabalho de Goicolea é o facto de todos os rapazes representados nas suas fotografias serem, na realidade, auto-representações manipuladas através de processos de pós-produção digitais, como o Photoshop. Do mesmo modo, no âmbito da própria sessão fotográfica, tem lugar uma manipulação ao nível da própria aparência do autor através do uso astuto de roupas, perucas, maquilhagem, luz, etc., para parecer sempre como um rapaz no limiar da puberdade. No seu sítio na internet, o autor refere: through digital manipulation, I am able to clone myself and create scenarios in which I act out childhood incidents such as fight scenes, first kisses, and derange play dates. [Goicolea, You and What Army, em: <http://www.anthonygoicolea.com/NewAnthonySite/pages/youandwhatstatement.html>

Ele fundamenta-se na severa realidade das instituições infantis e em ambientes repressivos que associa a cenários de guerra e de fome. Nesta série, Goicolea, coloca os seus rapazes em luta com ameaças externas. Por exemplo, em Blizzard, um grupo de estudantes tenta escalar uma cerca perto de uma igreja Bizantina durante uma tempestade de neve. Na descrição desta fotografia feita pelo artista, esta é considerada uma das imagens propositadamente mais ambíguas no sentido de não se saber de que lado da cerca está a ameaça e, também, pelo facto de acrescentar uma personagem adulta que, apesar de ser irreconhecível, é um elemento novo e duvidoso, pois não é claro se aquele braço que agarra o jovem representa um gesto de ameaça ou de protecção. Toda a série se caracteriza por um potencial dúbio e simbólico do qual a distinção entre predador e presa, trabalho e brincadeira, clausura e liberdade, é pouco clara.

Este obra de Goicolea é, ao mesmo tempo, baseada em memórias pessoais e em ficção. Muitos dos cenários são representações de ambientes suburbanos, como por exemplo, Canibal e Warriors, em que se sugere que o elenco de personagens se submete a transformações dolorosas e estranhas, num evidente paralelismo com a jornada da infância à idade adulta. Segundo Bergler, a percepção do mundo externo na infância é um campo gerador de medos. O autor diz que todo o desenvolvimento infantil depende dos esforços para manter a omnipotência e a autarcia infantis e aguentar contínuos assaltos da realidade que contrariam esse maravilho objecto. [1976, 36 citado por Medeiros 2000, 88]. É este terreno incerto e susceptível de ser descoberto que Goicolea explora na criação e composição do conteúdo de cada imagem que por si só contém uma narrativa específica.

Sugerindo subtilmente uma fantasia narcisista freudiana, as imagens aproximam-se do campo do improvável e do absurdo, como é o caso de Recital, por exemplo, em que a aparente beleza, o seu conteúdo estético e a própria composição suavizam uma leitura mais dramática das imagens e inspiram uma certa simpatia.

No contexto da arte contemporânea há uma tendência para a manipulação da imagem, e Goicolea utiliza este processo como uma forma de fazer emergir um plano mais subjectivo do fotografado – ou seja, dele próprio – o qual se duplica reiteradamente no decurso de fantasias e de devaneios próprios de uma época. Pela forma como assume várias identidades, permite uma afirmação fantasmática e delirante de si mesmo a partir da ideia de verosimilhança e de duplicação. O desejo fundamental de brincar com a aparência do resultado da imagem e de expor uma teatralidade do corpo como um objecto sexual é de certa forma comum em toda a sua obra.






Anthony Goicolea, Detention Series

Rineke Dijkstra

Nasceu na Alemanha, em 1959, e estudou na Rietveld Academie, em Amesterdão, onde actualmente vive e trabalha. A sua obra está representada em várias colecções públicas, tais como na Tate em Londres e no MOMA - The Museum of Modern Art, em Nova Iorque. As suas fotografias encontram-se também em galerias como a Marian Goodman Gallery em França e Nova Iorque, e na Galerie Max Hetzler, em Berlim, entre outras.

Beach Series, 1992 – 1998

Esta série de fotografias de Rineke Dijkstra constituída por um conjunto de 20 imagens de adolescentes fotografados nas praias da Bélgica, da Croácia, de Inglaterra, da Polónia, da Ucrânia e dos Estados Unidos da América. Cada imagem contém uma pessoa representada de corpo inteiro inserida numa paisagem de praia em segundo plano. As imagens são simples, mas essa simplicidade encobre uma leitura mais complexa da imagem. Se colocarmos toda a série lado a lado e observarmos continuamente cada uma das imagens, nota-se uma intencional repetição do estilo fotográfico e do assunto fotografado, que cria uma espécie de permutabilidade dos atributos de cada imagem. Uma forte sensação de vulnerabilidade é-nos transmitida pela postura dos fotografados e a repetição nesta série constitui uma espécie de abstracção que simultaneamente nos oferece uma leitura intuitiva acerca daquele indivíduo e da própria condição humana.

Nesta série de adolescentes Dijkstra pretende captar pessoas que se encontram em momentos de transição, momentos em que uma exagerada tensão emocional e estados psicológicos característicos desencadeiam uma alteração importante das suas personalidades. Esta sua vontade de captar um traço psicológico específico de uma idade, de uma época e de uma cultura compreende uma tradição que vem de August Sander. Trata-se de uma tradição que mantém o artifício da pose como um paralelo com a pintura e que tem um impulso arquivístico inerente à consciência de finitude radical e à possibilidade de esquecimento. O que vemos nestas imagens é o tempo da pose, que Thierry de Duve diz ser imortal. Este autor acrescenta ainda que a pose é convivial e conatural da palavra rememoração, do stream of consciousness. A pose é a representação de algo que não se quer perder com o tempo, é uma projecção de nós para o futuro, que Rineke pretende fixar no tempo através da fotografia. Com a criação destas imagens, enquanto obras abertas, ela pretende analisar, compreender e interpretar uma cultura.

Em termos técnicos a imagem não é complexa, mas se considerarmos aquilo que dá a ver, é. A artista usa a paisagem, a luz, o corpo e a expressão facial de forma a revelar algo do seu fotografado que vai para além do seu controlo técnico e intenção enquanto fotógrafa. Ela deixa a imagem aberta a interpretações e usa intencionalmente factores que não estão ao seu alcance controlar para a concretização do retrato. O resultado é uma mistura entre controlo técnico fotográfico e o acaso. Desta forma, a fotografia apresenta uma narrativa emocional que se constituí por vários estratos possíveis de interpretação social, psicológica, sexual e cultural.

O retrato, por mais depurado que seja - como é, em geral, o grande conjunto de retratos que contém a obra de Rineke – é uma arte superficial adjudicada ao paradoxo de que a semelhança ao aspecto de alguém vai, de alguma forma, revelar mais do que o seu aspecto exterior. Esta é uma questão inconclusiva na arte da representação. Podemos, certamente, fazer uma série de comentários e considerações acerca do aspecto ou acerca das escolhas na forma como se pretende representar, mas nunca saberemos a verdade. Será sempre um segredo e, por mais voltas se dê, na obra de Dijkstra é sempre com este lugar secreto que nos deparamos.

Se a tradição do retrato pintado veio de alguma forma antecipar uma visão fotográfica, pode-se dizer que o trabalho de Rineke Dijkstra vem dar continuidade a este costume, procurando uma dignidade individual que sugere todas as memórias quotidianas apesar dos indícios da sua diferenciação social e cultural. Na sua série de retratos na praia, a fotógrafa posiciona os jovens no centro da sua composição da forma mais clássica e simétrica possível, mas de alguma forma a repetição deste formato vem destacar as diferenças ao invés da monotonia dos retratados e é aí que o sentido mais metafórico das suas imagens sobressai.

A adolescência, esse tempo de transição entre a infância e a idade adulta, é enfatizado pelo isolamento e a semi-nudez com que os corpos retratados se apresentam. Desta forma, a fotógrafa exalta a curiosidade natural das pessoas relativamente umas às outras. Numa entrevista publicada no livro Image Makers Image Takers, de Anne-Celine Jaeger, Dijkstra refere:

I want to show things you might not see in normal life. I make normal things appear special. I want people to look at life in a new and different way, but it always has to be based on reality. It's important that you don't pass judgment, and leave space for interpretation. (...) If you show too much of a subject's personal life, the viewer will immediately make assumptions. If you leave out the details, the viewer has to look for much subtler hints such as how her shoelaces are tied, or her lipstick or the state of her the same goes for the picture of the boy in Odessa. You could show he is poor by including a trashcan or a stray cat in the picture. But for me it's all about subtlety and the fact that you really have to read the image to get clues about the boy. That makes it equal for everybody. I like it when photographs are democratic. I usually find that portraits work best if you don't have a specific idea of what you are looking for. You have to be open for anything to happen. If you try and force something, there is always the danger of a picture becoming too onedimensional. [disponivel em: http://www.popphoto.com/how-to/2008/12/conversation-rineke-dijkstra]

Nesta procura de normalização da pose, a autora deste projecto semi-documental participa numa espécie de arquivo iconográfico exaustivo sobre a juventude que faz a transição para o actual milénio.









Rineke Dijkstra, Beach Series

Nota Final

Neste projecto não existiu propriamente uma preocupação expositiva mas sim, conceptual e isso permitiu um aprofundamento do conceito de pose que era a proposta inicial. Neste sentido, o que se pretendeu ao longo deste trabalho era criar bases estruturais para a compreensão das obras seleccionadas que se considera importante num âmbito educativo de um projecto expositivo.

A leitura que se fez das obras foi construída partindo do princípio de que era importante contextualizar a intenção dos artistas na utilização da pose como artificio para a construção de uma narrativa, e não no sentido de criar um discurso à volta do carácter dos retratados. No entanto, recordando a obra de Rineke Dijkstra, houve alguma dificuldade em contornar esse assunto, pois há uma clara intenção na sua abordagem fotográfica de captar traços psicológicos, ainda que a autora crie espaço para uma interpretação variável destes.

De uma forma geral, este circunscrito grupo de artistas e as suas obras caracterizam-se por um projecto comum, ou seja, uma abordagem fotográfica que utiliza a pose como elemento personificador da sua intenção artística. Além disso, como já se referiu, distinguem-se na preferência pela adolescência como fase de transição. Contudo, esta opção não é limitadora, pois cada um explora artisticamente um aspecto particular dessa fase. Foi interessante explorar estas dissonâncias e consonâncias nas respectivas obras para chegar à conclusão de que a formação da identidade de cada um destes artistas, enquanto artistas, assenta numa fase específica que tem também a ver com a própria formação da identidade.

Este conceito de identidade, bem como os conceitos de percepção, de ficção e de performatividade foram determinantes para a estruturação deste discurso e são, da mesma forma, fundamentais para a compreensão da arte contemporânea em geral.

Bibliografia

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ROLAND, Barthes, Camera Lucida, in The Photography Reader, edit by Routleged, London & New York 2003

PHELAN, Peggy, Unmarked: the Politics of Performance, Routleged, London & New York, 2006

Artigos de Publicações Periódicas

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DERRIDA, Jacques, Archive Fever: A Freudian Impression, the Johns Hopkins University Press, Diacritics, Vol. 25, No. 2, summer, 1995

DALTON, Jennifer , Nikki S. Lee, Anthony Goicolea, David Henry Brown, Jr., A Journal of Performance and Art, Vol. 22, No. 3, pp. 47-56, 2009

COHEN, Jonathan and MESKIN, Aaron, On the Epistemic Value of Photographs, The Journal of Aesthetics and Art Criticism, Vol. 62, No. 2, Special Issue: Art, Mind,and Cognitive Science, pp. 197-210

TISSERON, Serge, L´inconscient de la Photographie, in La Recherche Photographique, Maison européenne de la photographie, Automne 1994, nº 17

TISSERON, Serge, La recherche photographique , Paris : Paris Audiovisuel : Maison Européenne de la photographie, 1986 -1997

KRAUSS, Rosalind, Perpetual Inventory, October, Vol. 88. (Spring, 1999), pp. 86-116.

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Catálogos de Exposições

DUVE, Thierry de, Pose e Instantâneo ou o Paradoxo Fotográfico, Lisboa Photo Catálogo, 2005

Sítios na Internet

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Rineke Dijkstra, entrevista, http://www.popphoto.com/how-to/2008/12/conversation-rineke-dijkstra]

ArtNet, http://www.artnet.com/



[i] Georgio Vasari, artista italiano que viveu entre 1511 e 1574 e ficou conhecido principalmente por suas biografias de artistas italianos.

[ii] Idols and Sacrifices de Bernard Faucon não será o trabalho que mais identifica o conjunto da sua obra, pois a força e importância que tem a utilização dos manequins que caracterizam a composição de grande parte das suas fotografias e desempenham um papel singular nesse mesmo conjunto, não se conhece aqui referência.

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